(Borda da Mata era, no ano de 1901, uma florescente freguesia submergida ali pelas plagas colinas do sul de Minas Gerais. Após seis léguas de terreno descortinado, desde a bela cidade de Pouso Alegre, ali no ápice da colina, a orgulhosa camponesa firmara seu limite para dar lugar aos virgens e extensos matagais.
Por isso a graciosa freguesia tivera como origem o nome de Borda da Mata. Pequeno jardim que coroando o belo monte dominava e ataviava com verdadeiro encanto a extensa campina.
Foi ali que no dia 1 de Maio desse mesmo ano de 1901, eu nasci.
Minha mãe – Maria de Carvalho Asprino – não cheguei a conhecer. Quando morreu, eu contava um ano e pouco de idade. - e meu relato sobre ela, sempre é cheio de carinho e de dor.)
Ficamos quatro irmãos órfãos. Primeiro Francisco (Chiquinho) com quatro anos de idade e que após três anos morte de mamãe, também morreu. Depois Ignez, com três anos mais ou menos, foi levada por sua madrinha, dona Chiquinha que morava em Santa Rita de Caldas. Em terceiro, eu, Málio, com um ano e pouco, continuei em companhia de papai, e finalmente, Judith, a caçula, apenas com alguns meses de vida. Tia Sinhana, que residia em Caracol, levou-a para si.
Tia Sinhana era irmã de mamãe. Como preciosa relíquia eu guardo a carta que nessa época, 1904, ela escrevera a papai pedindo-lhe que cedesse a mim ou a Judith para que ela acolhesse em seu lar. Papai concedeu a ela a criação de Judith.
Por ocasião do falecimento de mamãe, residíamos ainda em Borda, numa boa casa situada na praça do mercado. A vasta sala que ocupava a frente da nossa residência era tomada pela alfaiataria de papai, Francisco Asprino.
Faltando mamãe, papai, como era natural, sentiu-se muito acabrunhado. Além do grande golpe que recebera, encontrara a vida cheia de obstáculos, rodeado por quatro filhinhos ainda por serem criados.
Filhos do seu primeiro matrimônio, eram nossos irmãos pelo lado paterno – Magdalena, José e Vina. Já moços e órfãos de mãe já há sete anos, moravam em companhia dos seus avós maternos, José Felippe e Verônica de Jesus, possuidores de um sítio afastado de Borda uma légua mais ou menos onde também residiam.
Magdalena e Vina vieram em auxílio de papai até que Ignez e Judith fossem amparadas por dona Chiquinha e tia Sinhana.
Ficamos então, somente eu e Chiquinho em companhia de papai.
(para contextualizar, republico o texto que vem em seguida a este, já postado em 2013)
(para contextualizar, republico o texto que vem em seguida a este, já postado em 2013)
Assim morreu minha mãe. Eu não contava ainda dois anos. Dela não guardo a mais vaga reminiscência. Vi-a. Sabe Deus quantas vezes minhas faces não teriam sentido o calor dos seus beijos imaculados, meu corpinho o afago doce dos seus abraços. Mas não a conheci. Meus olhinhos inocentes, ainda que a tivessem contemplado, não puderam guardar em meu tenro pensamento como preciosa relíquia, a figura de seu rosto como uma doce lembrança. A gaiolinha da minha razão, feita de frágeis fiozinhos, não segurou o querido pássaro da recordação que fugindo ao rompe-los, haveria de desaparecer nas asas negras do desconhecido...
Não ter conhecido minha mãe faz com que minha mente mergulhe num vácuo onde meus pensamentos se debatem agitados, na ânsia desesperada de encontrar algum vínculo sobrenatural que possa acalentar este meu coração desolado...
Oh! Minha mãe! Como eu desejaria ter-te junto a mim! Que falta imensa tu me tens feito! Que falta, minha boa e santa mãe, as tuas mãos sublimes me fazem, mãos que evitariam por tantas e tantas vezes que este pobre verme se arrastasse pelos lamaçais e espinhos deste mundo... mas partiste, minha mãe! Foste tão cedo e tão jovem! O próprio Deus não quis poupar aos teus filhos pequeninos a dolorosa separação da tua doce presença: levou-te prematuramente para o gozo celeste da Sua companhia...
Com exceção da minha figura - morena, alta, de cabelos negros, olhos expressivos e grande nariz arrebitado, - em que todos que a conheceram têm visto a semelhança mais perfeita da minha mãe, nada mais dela me resta. Meus avós e meu pai não ficaram sem minha dolorosa censura pelo desleixo de não terem ao menos uma fotografia sua. Meu consolo tem sido a colaboração do espelho amigo, onde procuro no órfão, nas suas feições, no seu rosto a virar e revirar frente ao cristal, o “verdadeiro retrato” da desventurada falecida. E me surpreendo... sentindo até certo orgulho... porque dos filhos sou o único que possui os traços do seu perfil.